quinta-feira, 28 de março de 2013

CREIO NO ESPÍRITO SANTO


Passaram os quarenta dias de caminhada quaresmal. Entramos agora no tempo da Páscoa, que não se resume ao Tríduo Pascal, mas nos leva, com Cristo ressuscitado, até ao Pentecostes, à vinda do Espírito Santo.
Depois de expressar a fé da Igreja em Deus Pai Criador e no Filho Redentor, o Símbolo dos Apóstolos afirma: “Creio no Espírito Santo”; e o Símbolo de Niceia-Constantinopla acrescenta: “…Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas”. Esta é a síntese da fé da Igreja relativamente àquele que habitualmente é chamado “a terceira Pessoa da Santíssima Trindade”.
Quem é o Espírito Santo? Apresentamos uma síntese da forma como Ele nos aparece na Sagrada Escritura.
No Antigo Testamento
a) Os termos ruah e pneuma, que costumamos traduzir por espírito, são nomes comuns, que designam o vento, a respiração, o hálito de vida existente nas criaturas. Estas são forças misteriosas e inefáveis. O vento pode ser violento, mas também é indispensável para que tudo se mova e a sua brisa suave não deixa de ser agradável. A respiração é a força que sustem e anima o corpo. Ambos vêm de Deus, e o sopro de vida que Iahweh insuflou em Adão (Gn. 2, 7: “Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”) volta a Ele com a morte do homem e da mulher.
No homem, o espírito não é a mesma coisa que a alma, pois a concepção de alma imortal distinta do corpo não existe na Bíblia Hebraica. Existe sim o conceito de homem como uma unidade inseparável de corpo e espírito. No entanto, o espírito opõe-se à carne, se entendemos esta como a parte corruptível e mortal do homem, enquanto o alento vital lhe é dado por Deus, até à morte.
b) Usa-se também a expressão espírito de Deus para falar da acçãoforça e dinamismo divinos. O espírito de Iahweh revela-se sobretudo como uma força divina que se manifesta na criação (Gn. 1, 2: “...um vento de Deus pairava sobre as águas”) e nas pessoas humanas, transformando-as e fazendo-as capazes de grandes gestos. Estes gestos destinam-se a confirmar o povo na sua vocação e a ajudá-lo a ser fiel ao seu Deus.
O espírito de Iahweh inspira os profetas, e isto é reconhecido sobretudo depois do exílio. É também ele o espírito carismático que suscita os juizes e os reis de Israel, e é nele que é ungido o servo de Iahweh (cf. Is. 61, 1: “O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu”). Com efeito, o espírito abre aos profetas a Palavra de Deus e transforma-os em testemunhas, e Iahweh coloca o seu espírito sobre o seu servo (cf. Is. 42, 1).
c) Em algumas passagens do A. T. aparece também a expressão Santo espírito (por ex. no Sl. 51, 13: “...não me rejeites para longe de tua face, não retires de mim teu santo espírito) ou Espírito santo (por ex. em Is. 63, 10), mas o Espírito Santo não é ainda apresentado como uma pessoa distinta do Pai e do Filho. É simplesmente o Espírito de Deus, que é santo e se comunica à humanidade.
No Novo Testamento, usa-se o termo grego pneuma. No N. T. há alguma influência dos escritos do judaísmo extra-bíblico. Fala-se do Espírito de Deus (ou do Espírito Santo) em todos os evangelhos e em outros escritos neotestamentários, mas a sua explicitação como pessoa dá-se sobretudo em S. Lucas e nos Actos dos Apóstolos, em S. Paulo e em S. João.
a) Em primeiro lugar, o Espírito de Deus manifesta-se em Jesus: na sua concepção (cf. Mt. 1, 18.20: 18“Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” [...]20“José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo”; Lc. 1, 35: “O anjo lhe respondeu: ‘O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra”), no seu baptismo (Mt. 3, 13-17; Mc. 1, 9-11; Lc. 3, 21-22; Jo. 1, 29-34: 32“E João deu testemunho, dizendo: ‘Vi o Espírito descer, como uma pomba, vindo do céu, e permanecer sobre ele”. 33“Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou para baptizar com água, disse-me: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que baptiza com o Espírito Santo’”), na sua ida para o deserto (Mt. 4, 1; Mc. 1, 12; Lc. 4, 1: “Jesus, pleno do Espírito Santo, voltou do Jordão; era conduzido pelo Espírito através do deserto...”), nos momentos de intimidade com o Pai através da oração (Lc.10, 21: “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos’”), no seu ministério público (por ex. quando expulsa os demónios ou quando opera os seus milagres) e na sua morte e ressurreição: Jesus, entregando o seu espírito (Lc. 23, 46; Jo. 19, 30), prepara a efusão do Espírito Santo sobre os seus. Na entrega do espírito de Jesus ao Pai, realiza-se a glorificação da Santíssima Trindade.
b) Antes de partir deste mundo, Jesus promete o envio do Espírito Santo, que virá como consolador, defensor e intercessor (Jo. 14, 16: “...e ele vos dará outro Paráclito...”; 16, 7: “...se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, enviá-lo-ei a vós.”), como Espírito da Verdade (Jo. 14, 17; 16, 13. “...ele vos conduzirá à verdade plena...”), como aquele que tudo ensina (Jo. 14, 26: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse”), que irá desmascarar a culpabilidade do mundo (cf. Jo. 16, 8-11) e que glorificará o próprio Jesus  Cristo (Jo. 16, 14: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará”).
c) Depois da sua ressurreição, Jesus concedeu o Espírito Santo aos Apóstolos, para que pudessem cumprir a sua missão: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo. 20, 22-23). Mandou-os também baptizar os novos discípulos “...em nome do Pai, do Filho e dos Espírito Santo” (Mt. 28, 19).
d) A grande manifestação do Espírito Santo à Igreja nascente dá-se porém no Pentecostes. Segundo o texto de Act. 2, 4, “...todos ficaram repletos do Espírito Santo...”. Deu-se aqui o cumprimento da promessa de Jesus Cristo, de que não deixaria órfãos os seus discípulos. O Espírito Santo é o defensor e consolador prometido, e por Ele os discípulos darão testemunho de Cristo. É pela sua acção que a Igreja se dá a conhecer ao mundo e se liberta das peias que o judaísmo insiste em lhe colocar. Os Apóstolos perdem o medo de testemunhar a sua fé em Jesus Cristo ressuscitado e lançam-se na missão de anunciar o Evangelho ao mundo, porque o Espírito Santo está com eles. É também Ele que guia a Igreja e está presente nas suas grandes decisões. Por isso se diz que o Espírito Santo é a alma da Igreja.
e) A cada cristão Ele concede os dons ou carismas necessários, mas do mesmo modo que garante a comunhão na Santíssima Trindade, também congrega a Igreja na unidade e santifica-a como Corpo de Cristo. Por isso São Paulo pode saudar os cristãos de Corinto com a fórmula trinitária que nós hoje continuamos a usar: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus [Pai]e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” (2Cor. 13, 13). Esta é a condição indispensável para sermos Igreja e actuarmos como Igreja.
CONCLUSÕES
Depois desta exposição sobre a forma como a Sagrada Escritura nos fala do Espírito Santo, podemos sintetizar, em jeito de conclusão:
1. O Espírito Santo vai-se manifestando discretamente, até se revelar em força nos momentos mais decisivos da história da salvação. No A. T., «o Espírito Santo, como pessoa, está encoberto», como diz o Papa João Paulo II na sua Encíclica “Dominum et Vivificantem” (cf. n.º 15). Irrompe no N. T., depois de o Filho consumar a sua obra de salvação. De facto, como podemos verificar, no A. T. predomina a figura do Pai; no N. T. predomina a figura do Filho e ao mesmo tempo abre-se o caminho à acção do Espírito Santo na Igreja. Assim se torna explícita a existência da Santíssima Trindade, presente desde o princípio na obra da criação.
2. O Espírito Santo é uma pessoa, mas para se falar dele usa-se a linguagem dos símbolos, que evidenciam aquilo que Ele faz. Eis alguns desses símbolos:
Vento, sinal da força de Deus: o vento destrói obstáculos que pareciam intransponíveis (Act. 2, 2) e é símbolo da força, acção e dinamismo de Deus, que se manifestam logo na criação (cf. Gn. 1, 2) e depois actuam nos profetas (Ez. 1, 4) e nos Apóstolos (Act. 2, 2).
Hálito, alma (alento vital) do homem: Gn. 2, 7.
Água: os rios de água viva de que fala Jesus em Jo. 7, 38 são o símbolo da vida nova no Espírito Santo: “Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo. 7, 39).
A pomba é o sinal da simplicidade, da liberdade e da paz, do calor e da   vida, e do mistério de Deus. Conforme a pomba que pousa na arca de Noé (Gn. 8, 6-12) anuncia a nova humanidade, também aquela que aparece no Baptismo de Jesus (Mt. 3, 16) anuncia que Ele é o iniciador da nova criação, o que baptiza no Espírito Santo.
fogo significa, na Bíblia, a presença amorosa e activa de Deus no meio do seu povo. É sinal de insatisfação, de inquietação, de purificação (Is. 6, 6-7;   Ez. 1, 4) e entrega à missão, sobretudo ao ministério da Palavra (cf. Act. 4, 8. 20: a ânsia de proclamar a Palavra é como um fogo que queima). Por isso em Act. 2, 3 o Espírito Santo desce em forma de línguas de fogo.
3. A acção do Espírito Santo não se opõe à acção de Cristo, mas vem depois dele e graças a ele «para continuar no mundo, mediante a Igreja, a obra da Boa Nova da salvação» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 3). Assim, «o Espírito Santo fará com que perdure sempre na Igreja a mesma verdade, que os Apóstolos ouviram do seu Mestre» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º4).
4. A sua acção concretiza-se em favor de cada pessoa individual, e em favor da Igreja. O Espírito Santo e as suas inspirações não são propriedade privada de ninguém, mas é em confronto com a Igreja que nós devemos avaliar os carismas que o Espírito vai suscitando em cada pessoa.
5. O Espírito Santo é o Espírito da Verdade. É no seu testemunho que «o testemunho humano dos Apóstolos encontrará o seu mais forte sustentáculo» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 5). Assim o Espírito Santo não ensina nada diferente do que Jesus Cristo ensinou, mas pelo contrário, assegura de modo duradouro a transmissão e irradiação da Boa Nova revelada por Jesus de Nazaré (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 7).

segunda-feira, 25 de março de 2013

MENSAGEM DE SANTA PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

Meus caros Diocesanos, Padres, Diáconos, Religiosos e Leigos:
Votos de santa Páscoa, na alegria de Jesus Ressuscitado. Exultemos e alegremo-nos. A pedra rejeitada pelos construtores, se tornou pedra angular, obra de  Deus e prodígio. É o dia da vitória do Senhor, exultemos e alegremo-nos nele! (Sl.118,22-24). Demos glória a Deus e agradeçamos o Papa que Ele nos deu e a fé e a feliz esperança em Jesus Ressuscitado, alegria e razão de ser da nossa vida!
Aleluia! Aleluia!
1.- A Páscoa leva-nos para lá da Quaresma, mediante o memorial do mistério pascal da morte e ressurreição do Senhor, para a Páscoa eterna e gloriosa, com Cristo, em Deus. A comunhão do corpo e sangue do Senhor ajuda-nos a pré-saborear os bens celestes, caminhando firmes e inabaláveis na fé e na esperança em Jesus Ressuscitado, que venceu o pecado e a morte. A Eucaristia cria e anuncia a união com Cristo glorioso, é memorial da Sua morte, sinal sacramental de fé, amor e esperança nos bens e na vida eterna que desejamos e convite a crer no amor e alegria da Boa Nova, alicerçados em Cristo, até sermos um, com Ele, em Deus. Na Eucaristia colhemos a fé e a esperança na vida eterna, o amor perene dado até ao limite e alegria que não tem fim.
João Paulo II pediu para nos abrirmos a Cristo, Bento XVI a centrar tudo, em Cristo, que não rouba nada e nos dá tudo e o recém-eleito Papa Francisco, Bispo de Roma e Pastor Universal, para caminhar, edificar e confessar Jesus Cristo, não correndo em vão, nem edificando sobre a areia. Como os ramos sem a videira secam, sem Ele não há pode haver frutos. “Sem Mim não podeis dar fruto”(Jo 15,1-8). “Quem não opera comigo dispersa”. Quem não vive, nem edifica com Ele, nem O confessa como Filho de Deus, acaba por adorar amuletos, sucedâneos, falsos ídolos, cisternas rotas, imaginários moinhos de vento, castelos na areia, arruinando a própria vida. “Que importa ao homem ganhar o mundo inteiro se vem a perder-se a si mesmo?” (Mc 8,36).
A mensagem quaresmal de Bento XVI exorta a “conhecer o amor de Deus, por nele, crermos” (1 Jo 4,16) e a celebrá-lo, na verdade e coerência, segundo a promessa e a esperança a que somos chamados, testemunhando o amor e a glória do Ressuscitado, que, vencendo o pecado e a morte, nos dá a vida, a alegria e a felicidade imorredoiras.
2.- Paulo anuncia o evangelho que se manifesta em Cristo e é força de Deus para quem crê e a doutrina da Via, a que Paulo aderiu, sem se envergonhar. Cristo é Caminho, Verdade e Vida, que vem do Pai e a Ele nos leva. Cheio da esperança na Ressurreição, fala com ardor de Jesus, Caminho, Verdade e Vida que se sujeitou à morte para a vencer. Sem medo nem vergonha, fala, sofre e labuta, pelo Evangelho. Anuncia o Ressuscitado, fonte de vida, que é a Via (Act. 9, 2; 19, 9.23; 22, 4; 24,14.22). Para Paulo, tudo é perda e lixo, depois que conheceu Cristo. Acredita “na força da Sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos” e reconhece: “Conformo-me com Ele na morte, para ver se consigo a ressurreição dentre os mortos; não que já O tenha alcançado ou já seja perfeito, mas, eu corro para ver se O alcanço, já que fui alcançado por Cristo Jesus” (Fil.3, 8-12).
Como S. Paulo, o recém-eleito Papa Francisco exorta a caminhar, a não parar, a ir mais além, a olhar o futuro, com esperança, certos de que Jesus caminha connosco e não se deve deixar de andar e construir, com Ele, enxertados e alicerçados n’Ele, edificando e professando sempre o Seu nome, pois, é Ele o único que nos pode salvar.
3.- Exorto-vos a cultivar a fé, a esperança e amor a Cristo, despojados de vós mesmos, sustentados, pela oração assídua e fervorosa, certos de que a Igreja de que fazemos parte e na qual trabalhamos, não é nossa, mas é a vinha e obra de Deus. Somos pobres e humildes trabalhadores da vinha do Senhor, peregrinos, descartáveis, passageiros, servos e meros instrumentos, que, após ter cumprido a nossa obrigação, somos servos inúteis, que não fizeram mais que a sua obrigação, na docilidade e obediência a Deus.  
Bento XVI deu-nos o exemplo corajoso, responsável, inefável, que só se compreende à luz da fé em Cristo e na Igreja, que obra de Cristo e templo do Espírito. Não deixou de seguir, amar e crer em Cristo, mas de agir, como sucessor de Pedro. Papa e Bispos não sucedem a Cristo, o insubstituível, de ontem, de hoje, de sempre, única pedra angular. Cristo não tem sucessores. Tem discípulos, seguidores e testemunhas, que d’Ele tudo recebem. Bento XVI não deixou de anunciar, confessar e seguir Cristo, mas, coerente, humilde e responsável, cheio de fé em Cristo e na Igreja, abdicou noutro com mais forças e menos idade, para que ele emprestasse a visibilidade e energias a Cristo, para bem do Seu corpo que é a Igreja, vinha de Cristo e não pertença e obra nossa. Assim, o génio humilde do grande Papa Bento XVI, é um exemplo de humildade, despojamento e responsabilidade, ancorado na
fé e esperança, em Jesus Ressuscitado que vive na Igreja, a aguenta e defende, pedindo para crermos
e o acompanharmos, na oração, de joelhos ao pé da cruz de Cristo, que deu a sua vida por nós, e com a ressurreição nos assegurou a vitória sobre o pecado e a morte. A Ele seja dada honra, glória e louvor, pelos séculos dos séculos.
Amen!
Vila Real, Solenidade de S. José, 19 de Março de 2013
+ Amândio José Tomás, bispo de Vila Real